domingo, 18 de maio de 2008

Assistência Estudantil em debate

ENTREVISTA COM RAFAEL MAGDALENA
COORDENADORIA DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS

Rafael Magdalena, 44 anos, formado em pedagogia pela UNESP e em História pela UFOP, ocupa hoje o cargo de chefia na Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC), responsável pela assistência estudantil e aos servidores técnico-administrativos da UFOP. Sua trajetória nessa Instituição é também parte da luta por nós travada em favor de uma universidade pública, democrática e de qualidade.

Nossa História: Rafael, você poderia nos dizer um pouco sobre o caminho que o trouxe à UFOP, sobre a educação que você recebeu e sobre sua formação profissional?

Rafael: Bem... Eu me licenciei em pedagogia com especialização em orientação e supervisão pedagógica pela UNESP de Araraquara, São Paulo, e depois fiz aqui na UFOP, no ICHS, a licenciatura em história. Primeiro veio a pedagogia e depois a história, tanto que o cargo meu nesta instituição é de técnico em assuntos educacionais. Eu nasci em Araraquara, interior de São Paulo, e estudei sempre em escolas públicas, do pré-escolar ao ensino superior. As duas faculdades, os dois cursos de ensino superior que fiz, foram em escola pública!

Nossa História: E teve algum tipo de militância na juventude ou mesmo na Universidade?

Rafael: Sim! Tive sim, já no ensino fundamental, quando eu participava dos grêmios estudantis nas escolas em que estudei. Participei no ginásio, no que chamávamos de ginasial e que hoje corresponde ao ensino fundamental (de quinta a oitava séries), e depois na universidade, na UNESP, eu participei do C.A. de pedagogia. Ah, e também naquele momento em que eu estava terminando o meu ensino médio, nos finais da década de 1980, quando participamos muito ativamente das campanhas das diretas já e para as eleições. Os grêmios estudantis eram muito fortes nas escolas e saíamos muito para a rua, para as passeatas das diretas já. Acho que essa foi a primeira decepção política minha (risos), mas tudo bem. Na UNESP, minha atuação foi apenas por um período curto, porque logo que comecei a cursar pedagogia eu tive que trabalhar e, então, me envolvi mais na parte cultural, mesmo assim tinha um envolvimento com as questões político-institucionais. Lembro-me de um movimento que nós fizemos na UNESP por moradia estudantil e restaurante. E, se hoje existe essa moradia estudantil institucionalizada lá, ela é um fruto das lutas daquela época em que eu estava lá e de outros que me antecederam também.

Nossa História: E sua participação aqui na UFOP?

Rafael: Aqui também eu tive uma participação. Não fiz parte do C.A. de História porque logo que eu cheguei eu já comecei a trabalhar como professor no Estado e depois como monitor no setor educativo do Museu da Inconfidência. Mas fui bastante atuante na comissão de moradia que existia no ICHS. E tive também atuação política nos movimentos de greve estudantil que nós fizemos aqui já logo no início do ano em que eu vim para cá, 1987. Teve uma greve grande no início desse ano, que começou em fevereiro e durou quase um semestre. E quem saiu em greve primeiro foi o ICHS, os estudantes do ICHS, reivindicando a melhoria das condições do Instituto, porque você tinha uma série de problemas (alguns persistentes ainda hoje), mas que naquela época eram muitos mais. Havia uma ênfase muito grande nessa comissão de moradia lá em Mariana e de melhores condições da Universidade para que fossemos atendidos. Foi quando a gente conseguiu, na época, ampliação das repúblicas [federais] do ICHS. Já havia o projeto das casas e nós conseguimos mais uma, que foi a casa inclusive na qual eu morei, a República Zona, a primeira geração de moradores. E depois teve o movimento da invasão da reitoria, do qual eu participei, e também outras comissões e assembléias estudantis que aconteciam em Ouro Preto, das quais participávamos muito. Mas a tendência é de que você se afaste e que outros acabem assumindo e acho que isso acabou acontecendo a medida que eu me aproximei do final do meu curso.

Nossa História: E como se deu sua entrada na UFOP, porque sua opção em fazer história aqui?

Rafael: Eu entrei aqui em 1987, mas o histórico é um pouco... Antes de eu terminar o Ensino Médio a minha intenção era fazer o curso de história, o que por uma série de questões não foi possível. Então, lá mesmo em Araraquara, na UNESP, pesquisando, eu descobri o curso de pedagogia, já que eu sabia, desde criança, que eu tinha uma certa vocação para essa área de educação, de ensino. Quando eu estava no último ano do curso de pedagogia, 1986, aconteceu um evento, no mês de setembro, no ICHS. Foi uma semana sobre Ideologia e Educação e nós do C.A. de pedagogia, depois de recebermos o convite para participar, mobilizamos um ônibus e viemos participar desse evento. E, aqui chegando, acho que me apaixonei pelo lugar, pela cidade, pelo ICHS, pelo curso de história. Arrisquei prestar o vestibular, passei, joguei tudo para o alto e vim para cá. Eu queria atuar na minha área, a de educação, e achei que a possibilidade de eu fazer um curso de história ia me enriquecer muito, até para uma complementação do que eu tinha feito no curso de pedagogia. E eu havia entrado novo na Universidade também, com uma certa imaturidade. A minha experiência de universidade aqui foi bem mais interessante do que lá. Aqui eu vivi muito mais minha vida de universitário, por estar longe de casa, da família, mas ao mesmo tempo vivendo aquilo que é muito peculiar ao ICHS, onde todos se conhecem e (apesar de você sentir que sua vida é o tempo todo devassada, conhecida por todos) podem se ajudar em momentos de “precisão”.

Nossa História: Como foi ter deixado de ser aluno para ser funcionário da Universidade? Quando e como isso se deu?

Rafael: Essa transição foi meio demorada. Eu me formei no ICHS em 1991 e só vim para a UFOP em 1995. Quando eu me formei eu já dava aulas aqui no curso de magistério e trabalhava em Ouro Preto – tudo que eu conquistei de trabalho aqui foi graças ao curso de pedagogia, tanto no Museu da Inconfidência, no Projeto Museu-Escola, quanto depois as aulas que me foram surgindo nos cursos de magistério. Mas eu era contratado, não tinha estabilidade, nunca passou pela minha cabeça a possibilidade de trabalhar na UFOP. O que ocorreu foi que eu prestei um concurso na Escola Técnica Federal de Ouro Preto, se não me engano em 1993 ou 94, e acabei ficando em terceiro lugar pela classificação dos currículos. Tinha esperança de que chamassem, mas continuei trabalhando no Estado. Em 1994, a Universidade estava a pleno vapor na contratação de pessoal, novos quadros estavam sendo exigidos para um reestruturação. Mesmo antes, quando o professor Renato Godinho entrou na administração da UFOP, ele começou a implementar uma série de ações no sentido de resgatar essa questão da área social, o que acontecia também nas outras universidades que estavam criando coordenadorias de assuntos comunitários ou pró-reitorias de assuntos comunitários e estudantis. Essa era então uma área crescente nas universidades, a área de assistência tanto para alunos quanto para servidores. A idéia era constituir uma equipe técnica multidisciplinar, porque havia projetos de uma creche e havia interesse na contratação de um pedagogo, de assistente social, de psicólogo, etc, para que se pudesse trabalhar a montagem de programas voltados à comunidade. Era um momento muito favorável para a Universidade frente ao Governo Federal, as universidades estavam se transformando e cargos também podiam ser transformados para se adequarem às novas exigências da universidade. Quando surgiram essas vagas de técnicos educacionais, sobretudo, a Universidade, para evitar abrir novos concursos, que têm um custo elevado para a instituição, aproveitou o concurso da Escola Técnica e eu acabei entrando para trabalhar aqui. Eu fui perguntado se gostaria e respondi que tinha muito interesse, mas não tinha experiência nessa área. Era um desafio e eu estava disposto a enfrentá-lo. As universidades se aproveitaram porque havia a possibilidade de que todas essas vagas fossem perdidas com a eleição do Fernando Henrique Cardoso, isso foi em 94 e ele assumiu a presidência em 1995. A Universidade correu para nomear todos que podiam assumir ainda na virada, porque sabia que o Fernando Henrique ia chegar e fechar tudo, isso já estava correndo nos bastidores, o boato de que ele ia suspender todas as nomeações, e foi o que ocorreu. Eu fui a última turma que entrou e depois só houve concurso para o pessoal que assumiu no ano passado [2005], essas poucas vagas que foram liberadas aí.

Nossa História: E sua experiência precedente de aluno da UFOP foi válida nesse momento?

Rafael: Sim, de certa forma foi, mas quando eu vim muita coisa já havia mudado. Quando eu era aluno, a Universidade tinha apenas oito cursos e quando eu cheguei como funcionário a Universidade estava começando seu processo de expansão dos cursos, já eram onze. Eu já conhecia o programa de bolsa-alimentação, porque já tinha sido bolsista. Tinha também a experiência, porque eu vim trabalhar numa área que tratava da moradia estudantil e com alunos de baixa renda, situações delicadas que eu tinha vivido aqui na Universidade quando fui estudante. Então é claro que o fato de eu ter sido aluno me deu muita experiência, embora eu tenha tido muita dificuldade aqui em Ouro Preto por conhecer mais Mariana, mais o ICHS.

Nossa História: Foi nesse momento que a CAC foi estruturada?

Rafael: É. Inclusive o momento em que estavam montando uma equipe para trabalhar nela. Eu fui nomeado em 1994 e assumi em 2 de janeiro de 1995 nessa coordenadoria, que havia sido criada recentemente. Ela funcionava naquela casa onde funciona hoje a PróEx, próxima à reitoria, no Pilar. Mas, posteriormente, com a mudança de administração, ela deixou de existir como Coordenadoria de Assuntos Comunitários e passou a ser uma Coordenadoria de Saúde Integrada e Assuntos Comunitários. Nesse momento se desvinculou dessa coordenadoria o restaurante universitário e deixou de existir o serviço de apoio ao trabalhador, um serviço que foi suspenso. Ficamos restritos ao serviço de apoio ao estudante e à área de saúde – uma atuação bem mínima. É a era FHC, com todas essas mudanças nas instituições públicas, as ameaças, o Provão, uma pressão muito grande para o crescimento das universidades públicas associado à falta de condições materiais para que esse desenvolvimento se desse e, ao mesmo tempo, uma restrição na contratação de pessoal. Havia o estímulo do Governo Federal à aposentadoria incentivada, à demissão incentivada. Paralelo a isso, a Universidade começava a expansão de cursos e alunos, onze cursos e dois mil alunos. Nós tivemos uma drástica redução no pessoal, no orçamento, etc – o que de imediato refletiu na nossa área. De uma hora para outra eu fiquei sozinho na equipe, eu e o Francisco, restritos à assistência estudantil, porque a Universidade começou a tirar os funcionários que eram da coordenadoria e do apoio ao trabalhador sem possibilidades de reposição. Não tinha como, e eles precisaram fazer mudanças com muitos setores necessitados. Assim foram longos anos, acho que uns oito, que pegaram a gestão do professor Dirceu [do Nascimento, ex-reitor], em que a Universidade teve que crescer e nós fomos minguando.

Nossa História: E qual é a situação hoje?

Rafael: No ano passado, quando o professor João Luiz [Martins, atual reitor] foi eleito, ele me chamou. A história nossa com o professor João Luiz já vem desde a época em que ele era diretor do ICEB, porque ele tinha uma preocupação muito grande com os problemas que vivenciava ali, problemas de alunos. E em trabalhos conjuntos, às vezes, nos reuníamos e ele sempre se mostrou muito sensível quando colocávamos nossas limitações e dificuldades. Paralelo a isso, havia também na comunidade uma reivindicação muito grande por uma assistência ao trabalhador, que nesses oito anos ficou completamente esquecido. Ou seja, de forma precária, a gente manteve o serviço de apoio ao estudante e o trabalhador acabou sendo deixado de lado, sem uma política de assistência. Aí, desde a sua carta-programa, o professor João Luiz manifestou essa preocupação. E eu sempre disse para ele que nós precisávamos reestruturar a Coordenadoria de Assuntos Comunitários, sua equipe, seus trabalhos e projetos, que nós já tivemos e que bastava colocarmos em prática, entendendo que nós houve um aumento significativo da demanda. Então quando ele assumiu, ele me chamou e disse: “Olha! Eu quero que você esteja à frente da reestruturação da CAC”. E eu aceitei e estamos aí para isso, para reestruturá-la na sua forma antiga e mais abrangente. Hoje há três áreas que pertencem à CAC: a área de assistência social, a área de restaurantes e a área de saúde. Dentro da assistência social são dois os serviços: de assistência ao trabalhador e de assistência ao estudante. Com muito sacrifício eu consegui dois servidores que estão na assistência, mais uma assistente social concursada (que a administração anterior nos designou). Estamos nessa luta, nessa batalha, pela vaga de psicólogo que ainda não conseguimos. No quadro da UFOP não existe um psicólogo! E contratamos mais uma nutricionista para o R.U. Agora, o pessoal que está chegando ainda está sendo treinado, mas é uma equipe bastante envolvida, batalhando muito. A área de restaurantes é uma área assim, que eu tiro o chapéu... e que para mim é muito nova, difícil e complexa de lidar. Porque os restaurantes estão obsoletos, os prédios antigos, os equipamentos precários, o quadro de pessoal já com idade um pouco avançada (o que gera problemas da ordem de afastamentos por motivos de doença) e os cargos para o restaurante foram extintos. Você não tem mais concursos para funcionários dos restaurantes. Então, é uma área que futuramente vai acabar sendo terceirizada. Mas estamos melhorando e isso se deve ao envolvimento da administração superior, do reitor nessas questões. Ele está, por exemplo, muito empenhado em conseguir verbas para a construção do novo restaurante aqui no campus e já conseguimos resgatar o projeto. Foi dele também o apoio orçamentário para que contratássemos uma nutricionista exclusivamente para a área de produção... eu não sei se vocês estão percebendo, mas temos feito mudanças no cardápio, na apresentação, na distribuição dos alimentos. Esse primeiro ano da nova reitoria foi de investimento maciço no restaurante. Inclusive, há muito tempo, a aula terminava e o restaurante abria “uma semana depois”, praticamente. Concentramos um esforço enorme para que isso fosse resolvido.

Nossa História: Há projetos de mudanças para o REMAR?

Rafael: Sim! Para Mariana há um projeto de se fazer lá uma mini-cozinha, não para a produção de refeições, mas, ampliando ali, onde era o CALET, montarmos uma pequena cozinha onde teremos um fogão e um freezer. Assim, por exemplo, uma sobra de uma fruta que teve no almoço não precisa voltar, pode ser guardada ali e ser reutilizada. A carne que sobra poderá ser congelada e no dia em que ocorrer uma excepcionalidade (mais alunos passarem a roleta) e a comida estiver acabando, aquilo poderá ser aproveitado. Outro desafio a ser encarado é de ordem operacional: a venda dos tickets. Estamos tentando resolver de uma outra maneira, ou seja, colocá-los a venda nas cantinas, isso porque nós temos cantinas em todos os institutos e o aluno poderá comprá-los o dia todo. Espero que dê certo.

Nossa História: A bolsa-alimentação ainda é a maior demanda dos discentes com relação a assistência? Você acha que o atendimento que se tem com relação a distribuição de Bolsas de Alimentação é satisfatória? O aluno de baixa renda consegue se manter na Universidade durante cerca de seis meses enquanto espera sua solicitação de bolsa ser avaliada?

Rafael: Olha, com relação aos critérios, existe um fórum nacional de assuntos comunitários, o FONAPRACE (Fórum Nacional de Pró-Reitores em Assuntos Comunitários e Estudantis). Toda política nessa área de assistência, bolsas permanentes, alimentação, moradia, é discutida com base em pesquisas que são realizadas dentro desse fórum. Então, de certa forma, o processo de avaliação sócio-econômica é baseado na LOAS (Lei Orgânica de Assistência Social) e feito com algumas adaptações. Nós procuramos constantemente atualizar nossos métodos e debatê-los com outras universidades e o que nós usamos não é diferente do que se tem em Viçosa (UFV) ou na UFMG. Eu não quero dizer que ele é em 100% válido, mas ele se pauta por critérios científicos, sérios. No que eu gostaria que ele fosse diferente? Eu gostaria que após o processo documental, formal de avaliação nós pudéssemos realizar entrevistas com cada solicitante. Mas isso é humanamente impossível de se fazer. Fazemos para o alojamento estudantil do Campus Morro do Cruzeiro, mas a demanda por bolsas alimentação é muito maior. Mesmo assim nós estamos trabalhando para aperfeiçoar nosso processo, informatizando-o, o que vai agilizar. Atualmente a gente têm uma comissão avaliadora que é treinada, acompanhada e supervisionada por nós e que já agilizou um pouco o processo de avaliação. Agora, quanto à espera do aluno, isso me deixa angustiado. Eu não concordo com isso. O meu desejo é que o mais rápido possível o aluno já tenha essa situação resolvida, mas o que tivemos foi uma série de impedimentos da ordem técnica, de pessoal. Hoje estamos estudando para implantar no semestre que vem um sistema de informações que já esteja no manual do candidato. Aprovado no vestibular, o aluno encontrará no site da UFOP o formulário que ele tem que preencher e os documentos necessários para que ele requeira a bolsa. No dia da matrícula ele já pode fazer a entrega e aí, talvez, no início das aulas, já possamos estar com tudo pronto. Estamos trabalhando nesse sentido. Agora há também a questão do coeficiente para a bolsa, existe uma resolução aprovada no Conselho Universitário (CUNI) que regulamenta essa bolsa e que exige um coeficiente semestral para que o aluno a receba. Isso porque, na verdade, ela é um benefício concedido e que tem que ter uma contrapartida do aluno. É importante que tenha, porque ele tem que entender que isso tem um custo para a Instituição, e que sai do bolso da sociedade, dos impostos que a sociedade está pagando para que ele esteja na Universidade. Sobre se é a maior demanda? Claro, atualmente ainda é, e, hoje, de acordo com as últimas pesquisas que nós fizemos pelo Fórum Nacional, os dados para a UFOP apontam que mais de 47% dos nossos alunos ainda estão nos estratos (em se tratando de situação econômica) C, D e E, que são realmente estratos que demandam políticas de assistência, porque correspondem a classes sociais que se encontram em vulnerabilidade social. São classes que demandam suporte para a permanência e para o acesso à Universidade. E aqui podemos entender porque restaurante e saúde estão na alçada da CAC, porque podem oferecer equipamentos sociais mínimos para a manutenção do estudante carente na Universidade e também garantir uma assistência decente ao trabalhador da Instituição.

Nossa História: E quanto ao atendimento médico odontológico? Qual é a maior demanda nessa área?

Rafael: É múltipla a demanda nessa área. Chama um pouco atenção a demanda por atendimento psicológico. Cerca de 27% dos alunos procuraram este atendimento, e 5% procuraram consultas psiquiátricas, dados das universidades em nível nacional. Essa porcentagem de alunos que parece ser pequena, passa a ser alta no âmbito de cada universidade, devido a especificidade do trabalho, por ser um atendimento individualizado e especializado. Assim o público se torna considerável. Em relação ao atendimento médico e odontológico temos o Centro de Saúde da UFOP, localizado no Campus do Morro do Cruzeiro. O folder da CAC foi distribuído aos calouros do segundo semestre de 2005 [este semestre] com as informações básicas, por exemplo: o nosso centro de saúde possui hoje convênio com a Prefeitura Municipal de Ouro Preto e com o SUS. Nosso quadro de profissionais do Centro de Saúde é limitado em virtude de restrições de pessoal, mesmo contando com os médicos da Prefeitura. Todas as vezes que tem essas mesas institucionais, que eu tenho ido falar (e o ICHS sempre me chamou para falar da questão da Área de Apoio ao Estudante e do resto dos programas), eu sempre procuro dizer sobre como oferecemos o atendimento odontológico – ele acontece da seguinte forma: o aluno que tem a bolsa alimentação tem prioridade ao atendimento das 7h30 às 9h para marcar a consulta, os demais alunos a partir das 9h; os alunos de Mariana, sendo eles bolsistas ou não, podem marcar a sua consulta na secretaria da diretoria do ICHS para segundas e quartas, das 7h30 às 9h, com a Meire. O atendimento médico fica um pouco mais complicado, o aluno tem que se deslocar até ao campus bem cedo porque, devido ao convênio com o SUS, o centro de saúde da UFOP hoje é um centro de saúde universal, não tendo como restringir um médico para a comunidade universitária e outros para a comunidade externa. Vale destacar que a demanda dessa comunidade externa, localizada próxima ao Campus, é grande, o que não deixa de ser interessante para a instituição, pois ela tem a chance de oferecer contrapartida para essa comunidade externa, através da prestação de um serviço relevante. Mesmo assim, temos várias questões que não conseguimos resolver, como marcação de consultas por telefone, falta de médicos para atender, filas de esperas, etc. Acho que o SUS deveria atender com mais eficiência, mas ele é um sistema muito interessante, visto que aqui na região mesmo quem paga uma fortuna nos planos de saúde ainda espera, às vezes longamente, pelo agendamento e realizações das consultas. A CAC, na figura de sua assistente social, realizará uma série de visitas ao sistema de saúde de Mariana, tentando estabelecer um contato com a Prefeitura para que o aluno do ICHS possa utilizar o sistema de saúde instalado no município, ficando mais fácil para quem mora em Mariana, que não mais precisará se deslocar até Ouro Preto. Em casos de problemas de saúde, a Meire tem operado até hoje como uma assistente social, porque quando o problema é grave ela já conhece toda a rede municipal de saúde, podendo encaminhar o aluno da melhor maneira possível para que ele se trate. Outra coisa que nós firmamos agora foi o convênio com a FACESAR (Faculdade de Conselheiro Lafaiete), que tem a faculdade de serviço social. Firmamos um convênio para que tenhamos estagiários em serviço social trabalhando conosco. Essa seria outra saída para tentar melhorar a falta de funcionários no quadro. Desse convênio saíram quatro estagiários para trabalhar na UFOP, um na área dos restaurantes e nos programas educativos na área de alimentação, um na área de saúde, outro trabalhando no CAC e outro trabalhando em Mariana para fazer o levantamento de demandas. Em Mariana esse estagiário trabalhará junto com a Meire, que já possuí os requerimentos que os alunos deverão preencher. Isso evitará que o aluno de Mariana se desloque para outro campus. Acho que nesse sentido foi super importante uma mesa institucional [na calourada] para apresentar aos calouros onde eles podem buscar os serviços. Os folders que distribuímos para os alunos com os serviços trazem também este tipo de informações. Portanto, o aluno do ICHS pode solicitar o atendimento médico por Mariana mesmo e também tem um horário especial para alunos do ICHS no atendimento odontológico. Foi também uma ocasião importante para dizer aos calouros: aproveitem esses anos que vocês vão passar aqui, estão num lugar privilegiado, é um lugar muito rico em história, em cultura, em coisas para serem feitas. Não fiquem restritos ao mundo universitário, vão conhecer a comunidade, busquem informações, visitem os museus e as igrejas, não passem quatro anos aqui sem conhecer o lugar onde vivem, essa é a mensagem que eu sempre deixo aos alunos.

Nossa História: E com relações às repúblicas federais de Ouro Preto e Mariana, porque sistemas tão diferentes e porque tão pouca ingerência da Universidade em uma questão tão séria? O que tem sido feito e o que tem sido debatido?

Rafael: Com relação às repúblicas a questão é longa, é uma história bem antiga, uma história própria, uma história especifica, que é conhecida no país inteiro sendo o único modelo existente no Brasil. Em 2000, começou na antiga Área de Apoio ao Estudante um trabalho exclusivo com o alojamento em virtude de problemas internos que ocorreram. Um trabalho educativo de longa duração, um processo que não se dá de um dia para outro. Após muitos problemas, alguns até de ordem pessoal, conseguimos estabelecer um regimento onde consta como vai ser o processo de escolha e como vai funcionar o alojamento. Começamos duas vezes em Mariana o processo de discussão para a formulação de um regimento da moradia estudantil, e que foi por duas vezes interrompido por uma questão de tempo da minha parte por estar assumindo uma chefia de uma área que necessitava muito da minha presença. No ano passado foi aprovada pelo Conselho Universitário a constituição de um Comitê Permanente de Moradia Estudantil, que é o COPEME, que já devia estar trabalhando, e só não está devido a várias situações de impedimento, como, por exemplo, a greve do segundo semestre de 2005, e também porque iniciamos esse semestre com muitas demandas na CAC. Mas o trabalho deve começar o mais rápido possível, sendo a primeira discussão o regimento interno dele, como ele vai funcionar e, logo após, dar continuidade a um instrumento legal que normatiza a ocupação dos imóveis e que dá responsabilidade do que é direito e do que é dever para os moradores. Hoje, na UFOP, existem 373 moradias cadastradas, sendo que algumas estão em casos delicados, com condições precárias para se viver, e tem que ter essa integração entre repúblicas federais e particulares no sentindo de estarem mostrando as dificuldades de todos, trabalhando sempre de maneira educativa. A maior demanda de vagas para moradia é para as repúblicas femininas. Mariana funciona de forma mista nas federais, mas em Ouro Preto não existe esse tipo de cultura. Outro ponto é o processo de escolha para novos moradores. Até que ponto é valido? A minha experiência em Mariana foi interessante. Não precisei dar trote em ninguém para conhecer a pessoa que iria morar comigo, naturalmente aquela pessoa sabia que se adequaria ao grupo ou sairia. Se fosse o caso de muitos interessados para uma só vaga, fazíamos o sorteio, com alguns suplentes caso o primeiro desistisse. A seleção se dava praticamente de forma natural. Agora, aqui em Ouro Preto a coisa é outra. Eu já vi casos aqui de alunos que foram praticamente expulsos de dentro da república porque eram homossexuais. Ele passou pelo trote todo, foi escolhido e os moradores... quando ele assumiu... Olha aí a questão da discriminação. Em pleno século XXI nós estarmos discutindo isso, a gente ter dentro de uma república universitária, entre estudantes universitários, uma situação como essa. Há inúmeros preconceitos. Repúblicas para cada curso. Isso é outra coisa interessante. Pensem bem: nós estamos em uma universidade. O ideal é que estivéssemos, todo mundo, num campus só, história e letras também. Ia dar uma efervescência, não é? Como é que você, hoje, no mercado de trabalho, vai se comportar quando você não é preparado para isso? Você vai para uma empresa ou para uma instituição onde você vai conviver com profissionais de áreas diversificadas do conhecimento. Por exemplo: eu trabalho aqui. Sou pedagogo, licenciado em história, tenho uma formação, uma visão de mundo diferente. Trabalho com a Cláudia que é assistente social, vou trabalhar com psicólogo, e tenho gente aqui formada em letras, tenho gente com especialização em pedagogia empresarial; eu trabalho com nutricionista que é chefe do restaurante, com chefe do centro de saúde; eu tenho que trabalhar com os odontólogos, com médicos. Então olha só... quantas áreas do conhecimento? Cada um desses profissionais tem uma visão de mundo diferenciada e que é muito própria da nossa formação profissional. Então, o que ocorre é que seria interessante, no momento em que você está se formando, a convivência com o outro, com o diferente. Acho interessante a experiência das repúblicas federais mistas em Mariana. Isso dá um equilíbrio, é interessante, enriquecedor. Em termos de cursos não é diferente. Como é bom conviver com áreas do conhecimento diferentes, com visões de mundo diferentes, isso é muito interessante. Claro que isso já mudou muito, porque quando eu cheguei aqui, há dezenove anos, era ainda pior. A única república em que um aluno de história morava era a Casablanca. Só essa república aceitou me hospedar nos dias em que eu vim para fazer minha matrícula. As repúblicas da rua Paraná não quiseram me hospedar por um dia, só o dia que eu faria matrícula, eu teria que ir para um hotel, aí resolvi bater na Casablanca e eles me aceitaram, eles já tinham uma visão diferente. Hoje todas as repúblicas com raras exceções abrigam pessoas de outros cursos. O COPEME pode chegar a um ponto onde poderemos ter um critério diferente de moradia, que pode se tornar um modelo para o país, uma instituição na qual os alunos participem de um processo democrático, racional de escolha, tentando valorizar e atender àqueles que realmente precisam de uma ajuda, de um apoio. Nós queremos fazer, também, um trabalho de aproximação maior das repúblicas e sobre a própria recepção do aluno calouro. Acho que calourada é um bom momento para isso, mas para esse ano ainda estamos pensando em fazer algo que seria uma gincana estudantil, que teria como objetivo trabalhar a integração do veterano com o calouro, do estudante com a comunidade, dos alunos das repúblicas particulares com as federais.

ENTREVISTA PUBLICADA NO JORNAL NOSSAHISTÓRIA Nº. 4 (2006)

ENTREVISTADORES:
DIEGO OMAR
MARIANA MARQUES DE MARIA
JUIENO LOPES VERGARA

LOCAL E DATA DA REALIZAÇÃO DA ENTREVISTA:

COORDENADORIA DE ASSUNTOS COMUNITÁRIOS (CAC) - CAMPUS MORRO DO CRUZEIRO, OURO PRETO/MG - 2 DE DEZEMBRO DE 2006

ONDE ENCONTRAR A ENTREVISTA (ÁUDIO):
CENTRO ACADÊMICO DE HISTÓRIA (CAHIS) - CAMPUS DO ICHS, MARIANA/MG

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